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sábado, 29 de maio de 2010

Esquete do Ronaldo - ato único

Em um elevador de um prédio comercial de São Paulo, Avenida Paulista. As Luzes focam o personagem central, grande jogador do passado, jogador grande de hoje. Pensamentos flutuam…

“Ai, o que será que ele vai falar de mim? Que será que eu tenho? É, essa consulta realmente está me dando muito medo”

Luzes no ambiente apertado do pequeno elevador, sem espelho ao fundo, acabamento em madeira, um clássico, para a época.

“Desculpe, senhor, mas me parece um pouco distraído, ainda não me disse qual andar vai descer.” Diz o atencioso ascensorista para aquele homem de sobrepeso. “Ah, sim! Vou descer no nono. É que eu não tô acostumado a ir sozinho aos lugares, e os outros é que sabem onde eu estou indo.” Responde o boleiro fanfarrão.

Nono andar, desce o antigo craque. No que pisa o hall já fita a porta do consultório, que diz “Dr. Silveira – Psicólogo e Psiquiatra”.

Abre a porta com toque sutil na maçaneta, a qual fica engordurada. Luz no craque, pensamentos flutuam… “É melhor eu lavar a mão direito, mas o cheiro de churrasco tá tão bom!”

Luz no ambiente, ampla sala de espera do consultório, parede branca, detalhes de brinquedos e desenhos coloridos combinando com móveis, no canto da secção infantil; uma garoto levando bronca da mãe nesta secção. Tom sóbrio no resto das mobílias da sala e um balcão no centro dela, com uma secretária, que, no momento em que o protagonista entra, diz “Bom dia, senhor, sua consulta está marcada para daqui a 20 minutos! Pode vir preencher os formulários?”

Em resposta imediata, obtém “Claro, só vou ao banheiro um minutinho.”

Antes que qualquer uma das senhoras se espante, o menino diz “Caramba, mãe! Aquele gordo parece com o Ronaldo!”, a atendente não segura o riso, e, com outra bronca, a mãe manda o garoto ficar em silêncio.

Volta o jogador. Caminha até o balcão, no centro da sala. “Boa tarde, vim preencher os formulários” diz ele, “Pois não, tem a carteirinha do convênio?” –ele entrega a carteirinha – “Ah, sim, obrigada, assine aqui”. Após assinar, o jogador senta-se em uma almofada do sofá que se pudesse gritaria de dor, mas só o que pôde fazer foi liberar muito ar pro lado.

Ao pegar uma revista pra ler, as pálpebras do jogador pesam mais que a barriga. Ele é acordado pela secretária, após 15 minutos, “Senhor Nasário, o doutor já vai vê-lo”, bocejando ele responde “Ahn, obrigado!”

Rapidamente, levanta-se, antes de adentrar a sala do médico, só tem tempo para – ensonado – ler o nome na porta de madeira trabalhada “Dr. Flávio Silveira”.

Luz no doutor. Computador de mesa ligado, tela do Facebook. Um médico psiquiatra muito distraído aparentemente. Luz na sala, bem arrumada, um divã e uma cadeira formando um clichê presumido. Tons sóbrios e escuros, uma mistura de marrom-mogno e vinho, luzes amareladas pelo consultório.

“Bom dia doutor!” diz o jogador ainda acordando. “Deite-se, meu caro” diz o médico apontando o divã, e continua “Pode contar-me o que o traz aqui, o, especificamente te aflige?” O antigo ídolo deita-se – mais um choro poderia ser ouvido vindo de dentro do couro marrom do divã – e começa:

“Sabe doutor, eu tô muito pra baixo nesses últimos meses, triste de mais, não venho jogando bem, quando jogo. Não estou rendendo mesmo” solta ar de desabafo, tom triste em sua voz, e mantém-se olhando para um quadro na parede do doutor – um retrato do médico e do rei com uma gigante assinatura, “Pelé”. Nisso o doutor interrompe o quem-sabe craque, “Mas você tem alguma ideia do que faz sentir-se assim?”

Então ele [jogador] prossegue. “Então, doutor, alguns dizem que é por causa da mídia mal feita sobre mim, outros por causa do meu peso, outros falam dos transexuais do motel, e outros ainda que a razão é uma possível decadência súbita na minha carreira, que foi da Itália para o Corinthians, do luxo pro lixo. Eu não acredito nisso…” Para, subitamente, de falar o jogador. Quando começa o médico “Mas então, o quê?”

Voltando à consciência, após muito divagar sozinho, o jogador revela “Sabe, é a primeira copa que eu não vou, desde que comecei a jogar…”. “Pois então era isso” começa o médico “olha, você realmente tem razão nisso, mas não é motivo para melancolia, tristeza e falta de produção. Veja as coisas boas da vida… você tem um filho muito inteligente, embora ele se pareça com você, já teve várias mulheres lindas, embora tenha o episódio dos travestis, o que não é nada de mais, porque mesmo depois disso você já teve um campeonato ganho e tem uma namorada linda. Aliás, por falar nela, lindíssima, sem contar as antigas, tão lindas quanto, como , por exemplo, sua ex-esposa, mãe do teu filho, se tem algo de bom nele é por causa dela, ruim mesmo é vocês não estarem mais juntos…”

Numa verdadeira frustração o jogador interrompe o médico, “Muito obrigado, doutor!”, e sai do consultório tão rapidamente como sai da sala de espera e entra no hall esperando o elevador. Só tem tempo de ver o psiquiatra à porta, com cara de satisfeito por uma boa consulta, que dá acesso ao hall, “Hey, senhor, você tem o telefone de sua ex-esposa?”. O jogador entra cabisbaixo com uma cara triste no elevador, o ascensorista não pergunta mais nada, aperta o subsolo do qual veio o antigo craque, a porta do elevador fecha.

A luz apaga

Acende a luz, foco no jogador, olhar esperançoso, fita a porta à frente com os dizeres “Dra. Siqueira”.

Apaga a luz, fecha a cortina, fim de cena.


In Dubio Pro Bar

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